quarta-feira, 9 de março de 2011

Um conto de fadas moderno, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (que nem deveria mais existir!)

"Era uma vez ... numa terra muito distante ... uma princesa linda, independente e cheia de auto-estima.

Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico ...

Então, a rã pulou para o seu colo e disse: 



- Linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir um lar feliz, no teu lindo castelo. A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...

Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:

- Eu, hein?... Nem morta!"

(Luís Fernando Veríssimo)

terça-feira, 1 de março de 2011

Faz de conta de Clarice ...


[...] fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, não Lóri mas o seu nome secreto que ela por enquanto ainda não podia usufruir, faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro — pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O HAVER



Vinicius de Moraes

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
— Perdoai! — eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia de simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano, ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.

Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do próprio reino.

Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.

domingo, 2 de janeiro de 2011

ABERTA PARA BALANÇO

Patrícia Drummond

Li uma vez, não sei onde, que, no Ano Novo, nascem 365 oportunidades de ser feliz; de fazer tudo melhor, 
mais bonito; e escrever diferente a história da gente. Pois bem. Em 2011, quero abrir as portas de mim - a da frente, as laterais e a dos fundos - para mais e novos sonhos; quero escancarar as janelas da minha alma para todas as frestas de sol, para raios solares inteiros e intensos - e, nesse caso, não quero mesmo precisar de proteção, chapéu ou filtro...

No próximo ano, quero que todas as luas sejam cheias - de igual para melhor que a última deste 2010 -, ainda que minguantes... E quero também muitas estrelas cadentes, caindo bem no meio da minha sala, partindo em dois o meu chão!

Quero, ainda, pedir desculpas quando achar que tive culpa, reconhecer meus erros quando errar, contribuir para fazer melhor cada dia das pessoas que eu amo - e olha que elas não são poucas, graças a Deus!

Falando em Deus, em 2011, quero me encontrar mais com Ele, quem sabe participar com Ele de uma Confraria do Bem, fazer a minha parte - e eu sei que posso; sei que, mesmo sendo pequena, essa minha parte é muito importante! - por um mundo melhor, segurar na mão Dele com força e pedir por mais amor e menos guerra, por mais solidariedade e menos sede de poder, por menos preconceito e mais compaixão, por bondade pura em vez de crueldade e hipocrisia...

No ano que vem, também quero - como já sugeriu Fernando Pessoa - construir castelos (um monte deles!) com cada pedra que encontrar pelo meu caminho. Quero ter urgência apenas de amar, de compartilhar, de estar viva... Pretendo ter mais paciência, quase nada de estresse, desejar SER mais do que TER, me apaixonar todos os dias pelo meu trabalho, e, também todos os dias, treinar o riso, fazer ginástica para o corpo, para o cérebro e para a alma; arriscar e ousar mais, como uma asa delta em busca do céu azul do Rio de Janeiro...

Em 2011, se eu tiver de chorar, que seja rápido, que passe logo. E que me faça crescer. Se, por outro lado, eu estiver por perto quando alguém chorar, que meus ombros estejam sempre fortes e bem exercitados para dar uma força - não há quem não mereça!

Tem mais, muito mais que eu quero no novo ano... Mas, sobretudo, quero apostar mais e desistir menos; quero dar cabo das desconfianças em relação a tudo e a todos e acreditar que todos os homens - indistintamente - são, mesmo, de Boa Vontade ... Quero estar pronta para o que der e vier, quero me dedicar mais ao que merece minha dedicação, quero oferecer um colo aconchegante a quem tiver necessidade, sem esperar nada em troca ...

O que mais? Quero, de verdade, viver cada um dos próximos 365 dias da minha vida como se fosse, verdadeiramente, o último, deixando para trás, junto com esse ano velho, mesquinharias, picuinhas, pequenez, maldade, raiva, desaforos, rancores e mágoas ... Quero me entregar, ser inteira em tudo, nunca pela metade ... Desse jeito, não tem como não ser feliz, não é mesmo? ... E que venha 2011!


Artigo publicado no Jornal O Popular/GO, em 2 de janeiro de 2011, domingo. Aqui, no blog, a versão original, na íntegra, sem os pequenos cortes de edição ...

http://www.opopular.com.br/#02jan2011/opiniao-41741/da_redacao_-_aberta_para_balanco


 





sábado, 11 de dezembro de 2010

Para todos os meus amigos ... De ontem, de hoje e de sempre. E de todos os jeitos


AMIGO ... UM ENSAIO

"Difícil querer definir amigo. Amigo é quem te dá um pedacinho do chão, quando é de terra firme que você precisa, ou um pedacinho do céu, se é o sonho que te faz falta.

Amigo é mais que ombro amigo, é mão estendida, mente aberta, coração pulsante, costas largas. É quem tentou e fez, e não tem o egoísmo de não querer compartilhar o que aprendeu. É aquele que cede e não espera retorno, porque sabe que o ato de compartilhar um instante qualquer contigo já o realimenta, satisfaz. É quem já sentiu ou um dia vai sentir o mesmo que você. É a compreensão para o seu cansaço e a insatisfação para a sua reticência.

É aquele que entende seu desejo de voar, de sumir devagar, a angústia pela compreensão dos acontecimentos, a sede pelo 'por vir'. É ao mesmo tempo espelho que te reflete, e óleo derramado sobre suas águas agitadas. É quem fica enfurecido por enxergar seu erro, querer tanto o seu bem e saber que a perfeição é utopia. É o sol que seca suas lágrimas, é a polpa que adocica ainda mais seu sorriso.

Amigo é aquele que toca na sua ferida numa mesa de chopp, acompanha suas vitórias, faz piada amenizando problemas. É quem tem medo, dor, náusea, cólica, gozo, igualzinho a você. É quem sabe que viver é ter história pra contar. É quem sorri pra você sem motivo aparente, é quem sofre com seu sofrimento, é o padrinho filosófico dos seus filhos. É o achar daquilo que você nem sabia que buscava.

Amigo é aquele que te lê em cartas esperadas ou não, pequenos bilhetes em sala de aula, mensagens eletrônicas emocionadas. É aquele que te ouve ao telefone mesmo quando a ligação é caótica, com o mesmo prazer e atenção que teria se tivesse olhando em seus olhos. Amigo é multimídia.

Olhos... amigo é quem fala e ouve com o olhar, o seu e o dele em sintonia telepática. É aquele que percebe em seus olhos seus desejos, seus disfarces, alegria, medo. É aquele que aguarda pacientemente e se entusiasma quando vê surgir aquele tão esperado brilho no seu olhar, e é quem tem uma palavra sob medida quando estes mesmos olhos estão amplificando tristeza interior. É lua nova, é a estrela mais brilhante, é luz que se renova a cada instante, com múltiplas e inesperadas cores que cabem todas na sua íris.

Amigo é aquele que te diz 'eu te amo' sem qualquer medo de má interpretação: amigo é quem te ama 'e ponto'. É verdade e razão, sonho e sentimento. Amigo é pra sempre, mesmo que o sempre não exista."

(Marcelo Batalha)
Para conhecer o site do autor:
http://www.geocities.com/marcelobatalha

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Início ... e fim.



Não mais que outubro serei forte.
Só saberei de mim domingo, depois do sorvete.
Aí então caminharei pelas segundas,
quando das feiras só restarem folhas de repolho e
sobras de frutas pelo chão.
Não mais saberei de ninguém,
enquanto houverem sinos anunciando algum início.
No sábado ou em dezembro seremos todos novos,
mesmo que tudo pareça tão igual ...


(por Sumaya Prado)


De autor desconhecido ...



Li em qualquer e-mail, algum dia desses ... Não sei de quem é o texto. Mas adorei. Tudo a ver com o meu momento, com a minha história ... Assim como a moça da ilustração - a não ser pela cor do cabelo -, felinamente muito bem acompanhada ...


"... Não sei se estou perto ou longe demais, se peguei o rumo certo ou errado. Sei apenas que sigo em frente, vivendo dias iguais de forma diferente. Já não caminho mais sozinha, levo comigo cada recordação, cada vivência, cada lição. E, mesmo que tudo não ande da forma que eu gostaria, saber que já não sou a mesma de ontem me faz perceber que valeu a pena."